Semana da Enfermagem – assédio moral adoece trabalhadores(as) da saúde

0

Profissionais que lidam com a saúde e o cuidado deveriam trabalhar em excelentes condições, para que estivessem no pleno vigor da saúde física e mental ao lidar com os(as) pacientes. No entanto, a realidade é bem diferente. O cotidiano de violências que enfermeiros(as), técnicos(as) e auxiliares de enfermagem sofrem no Hospital de Clínicas é adoecedor. Por ocasião da Semana da Enfermagem – 14 a 18 de maio – o Sinditest aborda esse tema tão palpável para a categoria.

A psicóloga Janaína Leão, responsável pelo serviço de Saúde do Trabalhador do Sindicato, atendeu em um período dez meses cerca de 70 profissionais da enfermagem do HC. As queixas frequentes nos relatos foram: assédio moral; má remuneração; sobrecarga de trabalho; má distribuição do tempo de trabalho devido a escalas de horário ineficientes; movimentos repetitivos; posturas inadequadas; ausência de pausas; esforços intensos e exposição a ruído e ao stress.

“De um modo geral, esses fatores aparecem especialmente na fala das pessoas que têm duas jornadas de trabalho para dar conta. Muitas estão com alguma lesão ou já tiveram uma em algum período. Além disso, tem as questões psíquicas de adoecimento e muitas dificuldades nas relações interpessoais, especialmente com as chefias”, conta a psicóloga.

Relatos de assédio moral e movimentações de setor arbitrárias, como forma de retaliação ao(a) trabalhador(a), também são constantes. Além do constrangimento e do mal-estar psicológico, esse tipo de violência provoca sofrimento físico nas vítimas.

Movimentação forçada

Foi o caso de uma técnica de enfermagem do HC que prefere não se identificar. Em 2016, após cobrar providências de uma chefe que havia sido indicada recentemente para liderar seu setor, a trabalhadora começou a ser perseguida.

“Eu pedia coisas simples, como colocar o telefone num lugar melhor, para que a gente não tivesse que ficar falando em cima de outro colega que estava trabalhando no balcão, ou para que ela colocasse pacientes obesos em leitos mais afastados da porta, para facilitar a troca de roupa. Mas ela demonstrava má vontade e não gostava de ser cobrada. Eu dizia que se ela não fizesse o trabalho dela direito respingaria em mim”, conta. Então, a chefe começou a ler os prontuários preenchidos pela trabalhadora em busca de erros, e a checar seus horários, na tentativa de flagrar atrasos. Também a difamava para o resto da equipe.

“Mas ela não conseguia me pegar, não achava nada errado contra mim. Até que um dia, na véspera da minha saída de férias, a supervisora do setor me chamou, e estava junto com essa chefia. Falaram que eu ia ser movimentada, e que se não aceitasse, me colocariam à disposição. Não aceitei, porque queriam me mandar para lugares que eram só rabo de foguete. Imagina com que paz de espírito eu saí de férias.”

A justificativa dada pelas superiores foi o mau relacionamento com a chefia. “Não sei nem se isso é legal, porque foi um interesse privado. A movimentação não foi por interesse público.” Retornando do período de descanso, a trabalhadora teve de ficar atuando no mesmo setor, com a chefia assediadora, até que encontrassem um novo local de trabalho. “É um constrangimento horrível, é desumano. Tenho labirintite e tive crises por conta do estresse, insônia, e desenvolvi uma taquicardia que me acompanha até hoje. Depois disso tudo, qualquer coisinha o meu coração dispara.”

Atualmente, a trabalhadora está em um outro setor, para onde conseguiu ser movimentada, e não sofre mais assédio moral. Porém, lamenta que casos como o dela sejam tão frequentes e naturalizados no Hospital. “É institucional. Temos uma chefia direta, e depois um supervisor junto com a gerência. Esse supervisor não consegue ser imparcial. Fica sempre do lado da chefia, não consegue separar e perceber se o problema é da equipe ou da chefia. É muito triste. Pelo que passei, se eu fosse uma pessoa mais frágil não teria aguentado. Hoje estou bem, mas aquele amor pela profissão eu já perdi.”

Retrato da classe trabalhadora

Para o trabalhador do HC e coordenador de Administração e Finanças do Sinditest, Máximo Colares, o que se observa em relação à enfermagem é que a categoria tem a cara da classe trabalhadora e dos setores mais oprimidos da sociedade. “É formada majoritariamente por mulheres, grande parcela delas são negras e LGBTs. O que pega mais no assédio moral é a opressão relacionada a essas categorias: machismo, racismo, LGBTFobia. Isso é muito triste, porque no ambiente hospitalar e até mesmo no Sistema Único de Saúde a enfermagem é o alicerce que mantém todas as relações de estrutura de trabalho”, afirma.

O coordenador analisa que as questões de assédio, exploração do trabalho e da desvalorização dos(as) profissionais da enfermagem refletem o que a própria classe trabalhadora sofre no contexto do capitalismo, em que a saúde é uma mercadoria e a exploração da mão de obra faz parte dessa lógica.

“É lamentável, uma vez que a enfermagem é um projeto humanista, que se contrapõe a qualquer forma de exploração e opressão tanto na relação entre as categorias da saúde quanto no trato com os(as) pacientes. O norte é atender da forma mais humanizada possível, porém, nem os(as) trabalhadores(as) recebem esse tratamento.”
Tão sofrida, a categoria transforma a dor em luta, e é sempre uma das mais combativas no Hospital de Clínicas. “A gente observa essa espécie de revolta nos(as) profissionais da enfermagem, eles(as) estão em peso nos processos de mobilização e greve. É uma das principais categorias que participam, o que não deixa de ser um grito pelos oprimidos.”

O Sinditest tem orgulho em ter em sua base enfermeiros(as), técnicos(as) e auxiliares de enfermagem! E considera a Semana da Enfermagem não somente um período de confraternização e qualificação, mas também como um dia de luta e reconhecimento.

Compartilhar.

Autor

Comments are closed.

X