Greve e inflação: reposição de 19,99% é uma reivindicação justa?

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Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Nesta quarta-feira (16), servidores públicos federais fizeram paralisações em todo o país para preparar uma possível greve. Dentre as reivindicações está a de reposição salarial. Mais especificamente 19,99%, equivalente às perdas inflacionárias de janeiro de 2019 até dezembro de 2021.

Mas conceder quase 20% de aumento neste momento é realmente justo? Faz algum sentido? E no Paraná, realmente teria que ser tudo isto?

Inflação em alta

Vivemos hoje em um contexto de alta inflação no país. Desde agosto do ano passado a inflação está em dois dígitos. No mês passado o IPCA ficou em 10,8%. Mesmo para uma economia com histórico de alta inflação, como a brasileira, é um número preocupante, muito maior do que a média histórica para o Real, de 6,9% de inflação ao ano.

Gráfico 1 – IPCA mensal acumulado nos últimos 12 meses (janeiro de 2018 a fevereiro de 2021)

 

 

 

 

 

 

Diferente de 2020, quando a inflação era principalmente de alimentos (+14%), principalmente em itens como óleo de soja, cereais, tubérculos e legumes, carnes, leite e derivados, ou seja, sentindo principalmente no supermercado, em 2021 a inflação foi alavancada pelos combustíveis e pela energia elétrica.

Os combustíveis e o gás de cozinha encareceram com a política de preços da Petrobras (o PPI, preço de paridade de importação), que iguala os preços locais aos do mercado internacional ainda adicionando os custos caso estes combustíveis fossem importados – mesmo importando apenas 20% do que consumimos. Com um Real desvalorizado em 28% desde o início do atual governo e aumento do barril do petróleo, esta política de preços fez todos os combustíveis e gás de cozinha chegarem aos maiores patamares reais (descontada a inflação) da história do país. Já a energia elétrica, com a crise hídrica em regiões produtoras importantes (como no próprio Paraná), fez o seu custo subir 28% nos últimos 12 meses.

Como a inflação vem pressionando muito mais itens básicos, como gás de cozinha, energia elétrica e combustíveis, o aumento de preços para famílias de menor renda é superior à inflação geral. O IBGE publica dois índices mensalmente, o IPCA e o INPC. Enquanto o IPCA abarca famílias com renda que vão de 1 a 40 salários mínimos, o INPC restringe de 1 a 5 salários mínimos (ou seja, até R$ 6.060,00). O INPC dá mais peso a itens básicos, logo, quando há aumento em combustíveis, alimentos, energia elétrica e outros itens de primeira necessidade este índice fica superior ao IPCA, mostrando que a inflação pegou mais para famílias de menor renda do que as de alta renda. No acumulado dos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, o INPC foi 0,26 p.p. superior ao IPCA.

Além disto, em Curitiba (o IBGE faz a pesquisa de inflação em 16 regiões metropolitanas/capitais, uma delas a capital paranaense) a inflação é atualmente superior à média nacional. No acumulado dos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, enquanto a inflação nacional foi de 10,54%, o índice chegou a 13,17% em Curitiba, a maior inflação do país!

Defasagem salarial dos TAEs da UFPR, UTFPR e Unila

A reinvindicação das entidades sindicais do serviço público é de reposição da perda de poder de compra desde o início deste governo, o mesmo pedido pelo SINDITEST-PR. Mas por que os 19,99%? O índice de inflação oficial é mensal. Se calcularmos o acumulado entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, temos uma inflação nacional de 19,99%, como pode ser visto no gráfico abaixo (na linha verde). Importante pontuar que esta defasagem segue acelerada, pois estamos com inflações mensais ainda muito altas. Se somarmos a este número as inflações de janeiro e fevereiro, a defasagem já sobe para 21,85%! Além disto, a previsão de inflação para este mês, com o maior aumento do preço dos combustíveis da história, é de mais 0,9%, o que jogaria a defasagem acumulada para quase 23%, mostrando a urgência da pauta.

Novamente fazendo o exercício da realidade local, pegando a inflação de Curitiba (mas sendo parâmetro também para o estado do Paraná), a perda inflacionária é ainda maior, como podemos ver no gráfico (linha vermelha). Em dezembro de 2021 a defasagem era de 21,83%. Em fevereiro a perda acumulada já era de 23,97%. Ao fim de março este número em Curitiba já deverá chegar aos 25%.

Gráfico 2 – Inflação mensal acumulada a partir de janeiro de 2019 (referência para reivindicação da categoria é o mês de dezembro de 2021, com 19,99%)

 

 

 

 

 

 

 

 

Vejamos agora como este acumulado impacta no salário do TAE. Peguemos um salário médio de R$ 4.000,00 recebido em janeiro de 2019. Agora vamos aplicar a inflação e transformar o salário nominal (sem descontar a inflação) em salário real (descontando a inflação). Como podemos observar no Gráfico 3, os R$ 4 mil de janeiro de 2019 viraram R$ 3.235 em dezembro de 2021, e agora em março equivale a R$ 3.125. O que isto quer dizer? Que hoje o salário de R$ 4 mil vale na realidade R$ 870 a menos. Estes R$ 870 desapareceram como poder de compra. Obviamente, quando vamos ao mercado sentimos isto, cem reais hoje compram muito menos itens do que comprava no início de 2019. Mas assim podemos enxergar exatamente o quanto de poder de compra real nós perdemos.

Novamente, em Curitiba/Paraná esta perda foi ainda maior. Se a nível nacional a perda de poder de compra foi de R$ 870, aqui a perda foi de R$ 959. O salário do TAE que recebe hoje R$ 4 mil no Paraná, compra apenas o equivalente a R$ 3.041 de janeiro de 2019. Quase um quarto do poder de compra foi embora.

Gráfico 3 – Salário real deflacionado pelo IPCA de janeiro de 2019 a março de 2021 (mês-base: janeiro de 2019)

 

 

 

 

 

 

 

 

E aí, o reajuste é justo?

Os dados do IBGE mostram que a população brasileira está empobrecendo. Em termos reais, segundo a PNAD-Contínua de dezembro de 2021 no último ano o brasileiro perdeu 8% de sua renda real advinda do trabalho. No serviço público onde está a Educação (“Administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais”) este número foi de 12%. Dentre os trabalhadores, Só não perdeu mais do que os vinculados à indústria (-16%). Este movimento vem exatamente do que tratamos no ponto anterior. Não é que necessariamente as pessoas estão recebendo menos notas de Reais, e sim a nossa moeda que vem valendo cada vez menos nos supermercados.

Os trabalhadores do país estão “no mesmo barco”. Segundo dados do Salariômetro/Fipe para o ano de 2021, apenas 18,6% dos reajustes foram acima do INPC. 50,2% ficaram abaixo da inflação. E isto contabilizando apenas os que tiveram alguma negociação salarial!

Como vimos, a inflação está “comendo solta”. Segundo dados do Boletim Focus/Banco Central, a inflação em 2022 deve ficar em 6,45%, muito acima do teto previsto pelo governo.

Isto tudo mostra a urgência da manutenção do poder de compra dos TAEs. E ainda mais, a legítima reivindicação. Afinal de contas, quanto mais inflação, maior a arrecadação dos cofres públicos. O governo federal não está arrecadando menos, e sim mais. No último ano aumentou em 25% a arrecadação da Receita Federal.

Não é só legítima, mas urgente a pauta da categoria. Não podemos empobrecer nossos trabalhadores. 19,99% de reposição já!

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Autor

Assessoria de Comunicação do Sinditest-PR

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