Sobre as exigências do modelo de privatização no serviço público federal

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Por Selma Lamas, servidora técnico-administrativa da UFPR.

Uma das “exigências” do modelo privatista no serviço público federal diz respeito ao controle de ponto eletrônico dos servidores ligada perversamente à questão da produtividade e eficiência dos serviços prestados à população.

A lógica neoliberal exige passos em relação aos trabalhadores, mas não mantém a mesma exigência em relação aos gestores, ou à própria administração pública.

Explica-se: o sucateamento intencional do serviço público “empurra” o ônus da ineficiência da prestação de serviços à população para os trabalhadores, sem nunca levar em conta a má gestão e a má fé dos gestores não capacitados e com ações politiqueiras que dirigem seu olhar apenas para os ganhos pessoais e individuais em detrimento das comunidades atendidas em cada serviço, desprezando assim toda a história que construiu o que é o serviço público federal hoje.

Em nome da modernização vários serviços hoje estão parcialmente terceirizados, o que tem aumentado consideravelmente a exploração de trabalhadores que se quer possuem estabilidade e sofrem diuturnamente com falta de pagamento e a não cessão legal de vale transporte e/ou cesta básica e vale refeição. E quando estes trabalhadores se manifestam são simplesmente trocados por outros que, assim se quer, não reclamem, apenas baixem suas cabeças e obedeçam em nome da sobrevivência. Além disso divide-se a categoria dos trabalhadores em inúmeros regimes (RJU, fundacionais, CLetistas e terceirizados) dificultando e/ou impedindo que se reivindique melhorias em suas vidas laborais.

Aqueles que estão sob “proteção” do Regime Jurídico Único, que possuem estabilidade, levam a pecha de vagabundos e marajás (termo cunhado pelo infame Collor de Mello) e assumem perante a opinião pública a culpa da precariedade de nosso serviço público. Atuam em condições precárias – falta de recursos materiais e humanos – para dar conta de todo o atendimento à população e são perseguidos pela administração inepta, o que leva a um adoecimento muitas vezes irreversível e à aposentadoria por invalidez. Essa pressão por modernização e eficiência, desse modo, onera muito mais o Estado e seus contribuintes, ao contrário dos discursos tacanhos e cínicos que povoam a mídia e a fala dos administradores públicos.

O controle tecnológico baseia-se, na maioria das vezes, em dados apurados por sistemas, nos quais impera a lógica objetiva e são escamoteadas as subjetividades, a complexidade das relações humanas e a contingência – a imprevisibilidade da própria vida. Não contempla a complexidade das relações de força e poder que vigoram no mundo do trabalho. Isso significa, em outras palavras, o apagamento da história, das narrativas, da vida das pessoas que fazem o trabalho, dando-lhes tratamento de meros autômatos, passíveis de serem substituídos quando “quebram”. E na maioria das vezes “quebram” justamente no trato embrutecido no mundo do trabalho.

Há algumas exceções, que são aqueles que se locupletam dos lugares de poder e de suas benesses. Assim, alguns burlarão o ponto eletrônico ou qualquer forma de controle em nome de seu status profissional (nas Universidades Federais, por exemplo, os médicos e os professores), e/ou em nome do cargo político que ocupam (os amigos do rei). Esses, esquecem, ou não sabem, no entanto, que qualquer um está sujeito à lógica do poder e podem passar a qualquer momento a situação de subalternidade/menoridade, como bem mostra a história das guerras e os desmandos dos poderosos, que formam os contingentes de expatriados, refugiados e desempregados em nome de uma elite pequena, poderosa e ordinária.

Essa situação toda pede que reflitamos e que nos coloquemos no campo de batalha em nome do investimento real nos serviços públicos gratuitos e de qualidade, com transparência nas gestões que mudam ao sabor dos ventos de cada grupo político que sobe ao poder, com investimentos reais nas políticas de recursos humanos, antes que se queime na fogueira aqueles que aparecem como as bruxas da idade média, aqueles que de fato trabalham em prol da comunidade.

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