Quatro anos na linha de frente: uma avaliação pessoal. Por Márcio Palmares

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Márcio Palmares fala aos trabalhadores durante manifestação contra a Ebserh em frente ao Correio, em junho de 2014.

Márcio Palmares fala aos trabalhadores durante manifestação contra a Ebserh em frente ao Correio, em junho de 2014.

É incomum, em nossos dias, que dirigentes sindicais afastem-se dos postos de comando de suas entidades após dois ou três mandatos. Pelo contrário, são muito conhecidos os casos de dirigentes que permanecem por 10, 15, 20 anos ou mais na “presidência” dos sindicatos.

Uma das causas dessa “longevidade” é óbvia: corrupção e burocratização. Mas há outras. Às vezes, certos dirigentes permanecem na condução das entidades simplesmente porque não foram capazes de preparar a sucessão. Não foram capazes de conscientizar os trabalhadores de que a tarefa de dirigir o sindicato é coletiva, de que todo mundo deve por a mão na massa. Com seu “protagonismo”, costumam retirar da base toda a iniciativa, de modo que, quando o mandato acaba, simplesmente não há ninguém preparado para tocar o barco.

Felizmente não foi o nosso caso. Já em 2012, em nosso primeiro ano à frente do Sinditest-PR, iniciamos a luta pela construção da organização de base, a Organização por Local de Trabalho. Confira aqui.

Essa batalha se deu no marco de um esforço nacional feito pela CSP-Conlutas para recuperar essa concepção de organização política e sindical, abandonada já no final da década de 1980 pela CUT. De fato, esse foi o tema do 1° Congresso da CSP-CONLUTAS, realizado em 2012. Nós levamos a sério o lema daquele congresso: “Avançar na Organização de Base”. Em 2013, chegamos a eleger cerca de 50 delegados de base na UFPR, mesmo sem haver, na época, tal previsão no estatuto do sindicato. Realizamos pelo menos três Encontros de Delegados de Base, com atividades de formação, mas a inércia e o peso da tradição, os longos anos de sindicalismo burocrático e corporativista foram mais fortes do que nossas iniciativas. Aquela incipiente organização de base não resistiu. Percebemos que seria necessário primeiro mudar a cultura, e que isso não seria feito da noite para o dia, e nem sem uma profunda Reforma Estatutária.

Não podemos afirmar, evidentemente, que a mudança de cultura já se processou. Muita coisa mudou, não há dúvida. Mas há muito trabalho pela frente. No entanto, concluímos uma parte essencial de nossos objetivos: a Reforma Estatutária, tarefa diante da qual todas as direções anteriores declinaram. Hoje, temos uma direção colegiada, uma coordenação geral composta por três membros, e a previsão para a eleição de delegados de base, para a formação de um Conselho de Delegados, que estará acima da diretoria.

Por que isso é tão importante? Porque é preciso que o sindicato seja a manifestação da vontade e dos interesses coletivos dos trabalhadores. E ele jamais será isso enquanto for comandado por meia dúzia de pessoas e visto pela maioria da base como uma empresa que presta serviços em troca de pagamentos mensais. A velha expressão “o sindicato somos todos nós” precisa se tornar realidade, mas isso só é possível com organização de base.

Outra razão é a seguinte: o sindicato é uma máquina de moer gente. Há uma carga imensa de trabalho invisível envolvida na administração, organização, finanças, manutenção do patrimônio, articulação política, reuniões, greves, campanhas salariais, audiências, mais reuniões, manifestações… Os dirigentes e funcionários são frequentemente massacrados por uma carga imensa de trabalho, desconhecida do trabalhador que vê os dirigentes apenas nas assembleias ou atividades, como se seu trabalho se resumisse a falar em público.

Ora, justamente por isso é necessário possuir reservas. Educar o maior número de pessoas para que estejam preparadas para dirigir a entidade, tornando a sucessão um processo possível e natural.

Não tínhamos nada disso à nossa disposição em 2012 ou 2013. Herdamos um enorme vazio da era das burocracias e dos pelegos. Zero organização de base. Ninguém com quem contar além dos poucos membros eleitos. Resultado: nos matamos de trabalhar. Cada um de nós acumulava imensa quantidade de tarefas. Além disso, fomos muito perseguidos. Denúncias anônimas feitas pela base governista resultaram em intervenção da CGU e do MPF contra o Sinditest-PR. Caímos de sete dirigentes liberados (do RJU) para apenas dois. Foi um duro golpe na nossa gestão. Mas sobrevivemos e continuamos lutando.

Muitas pessoas valiosas estiveram à frente do Sinditest-PR nos últimos quatro anos. Em geral, deram o melhor de si. Muitas dessas pessoas se afastaram depois de anos de dedicação, para cuidar da saúde, da família, para fazer mestrado e ganhar um pouco mais. Outros permaneceram firmes em seus postos, suportando pressão extrema, até o fim. Tudo isso é natural e compreensível.

A propósito, é certo que as vitórias e derrotas de uma direção sindical são sempre o resultado de um trabalho coletivo, de equipe. Mas é preciso dizer que nos últimos quatro anos o Sinditest-PR teve um alicerce, uma base sólida sobre a qual lutou. Este alicerce foram os companheiros Carla Cobalchini, José Carlos de Assis e Rufina Rodrigues. Essas três pessoas foram o cérebro, o coração, a coluna vertebral e a alma das duas últimas gestões. Onde todos nós, os demais diretores, fracassamos, eles triunfaram. Onde tivemos medo, a eles sobrou coragem. Quando caímos vítimas do cansaço, eles se mantiveram em pé, inabaláveis. É a eles que devemos o lema dos nossos primeiros anos: “Coragem pra lutar, ousadia pra vencer”. Não à toa, foram os mais perseguidos e os mais caluniados. Nossos inimigos e adversários sabiam perfeitamente bem sobre os ombros de quem o sindicato estava.

De minha parte, tenho a dizer que nesses quatro anos trabalhei basicamente como uma espécie de porta-voz da gestão. Os assuntos que discutíamos na diretoria eu transformava em artigos ou declarações. Escrevi cerca de 90% dos textos que levam a assinatura “A Diretoria”. Coordenei a publicação do Jornal do Sinditest-PR. Durante muito tempo, alimentei o site e o Facebook. Montei a atual equipe de imprensa e comunicação visual e em diversos momentos respondi pelo sindicato perante a imprensa. Creio ter feito um bom trabalho.

Nesses quatro anos tive o cargo de vice-presidente. Estou muito feliz em poder passar a bola, junto com a Carla Cobalchini, para a nova Coordenação Geral eleita, formada por pessoas extremamente competentes e guerreiras: Carmen Luiza Moreira, José Carlos de Assis e Carlos Pegurski. Tenho certeza de que serão excelentes coordenadores.

Levarei para sempre na memória um episódio particular das muitas lutas que travamos nesses anos: a batalha contra a Ebserh realizada em frente à Procuradoria da República, na Marechal Deodoro. Naquele dia, um policial federal, um delegado, o mesmo que se encarregou da prisão do nosso companheiro Nicolas Pacheco na batalha final de 28 de agosto, tentou por diversas vezes nos persuadir a dissolver o piquete, liberando a entrada dos conselheiros. Não tendo sucesso, nos propôs um acordo: deixar que policiais se infiltrassem atrás do piquete, “para proteger as portas de vidro”. Recusamos a oferta. Quando o delegado percebeu que não cederíamos (estávamos eu e Gibran Jordão nessa negociação), rompeu o diálogo e mobilizou sua tropa de choque, pronto para estourar o piquete.

Nessa hora, tomei a palavra no caminhão de som e informei calmamente a todos o que iria acontecer: a Polícia Federal iria cair sobre nós, com bombas, balas de borracha, cassetetes. Pedi para que nossos mais valorosos companheiros e companheiras fizessem um cordão na frente do piquete, para o início do confronto.

E então aconteceu a coisa mais bonita do mundo: o cordão se perfilou imediatamente. Ninguém arredou pé. Ninguém fugiu. Ninguém deu as costas para o confronto. Estudantes, trabalhadores do HC, homens, mulheres, aposentados, o valoroso pessoal da UFSC que veio nos ajudar, todos se prepararam para enfrentar a polícia, em defesa do Hospital de Clínicas. Essa dignidade e essa força moral que a classe trabalhadora tem, quando está organizada e lutando por seus objetivos, é a força social mais poderosa que existe. Ali, numa pequena escala, vimos do que essa força é capaz. Vencemos aquela batalha. A polícia desistiu de estourar o piquete. Só seríamos vencidos pela violência policial semanas depois, na batalha final.

Em janeiro retorno ao meu trabalho no Setor de Educação da UFPR com a consciência tranquila. Fizemos um bom trabalho e fomos capazes de preparar a sucessão. Temos agora 35 pessoas à frente do Sinditest-PR, que certamente serão capazes de executar o programa pelo qual foram eleitas. Eu permaneço na gestão, mas na retaguarda. Nunca formaríamos novos dirigentes sem dar a eles a oportunidade de queimar as mãos na linha de frente.

Márcio Palmares,
diretor do Sinditest-PR.

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