Por que os preços dos combustíveis e do gás de cozinha estão caros?

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Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política pela UFPR

Vivemos em meio a uma das maiores crises econômicas da nossa história. O PIB brasileiro caiu 4,1% em 2020, maior retração dos últimos 30 anos, e a taxa de desemprego atingiu 13,9% no 4º trimestre, maior patamar desde 2012. Mesmo com estes números arrasadores, assistimos o preço dos combustíveis e do gás de cozinha atingirem os maiores preços em muitos anos, enterrando de vez a vida econômica do brasileiro.

Neste artigo iremos falar sobre o porquê destes produtos, tão importante na vida dos trabalhadores do país, estão atingindo patamares inéditos, e como podemos reverter isto. Dois spoilers: (i) zerar imposto não resolve; (ii) só a própria Petrobrás pode nos salvar disto.

A política de preços da Petrobrás

No Brasil, o gás de cozinha, a gasolina e o diesel seguem uma política de preços da Petrobrás instaurada em 2016 por Michel Temer e Pedro Parente – política nomeada como Preço de Paridade de Importação (PPI). Estes produtos derivados de petróleo e de gás natural têm “como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo”[1]. Seria como se o preço destes itens fossem os mesmos praticados no mercado internacional adicionado o custo de trazê-los até o nosso posto de gasolina ou revenda de gás, e tudo isto em dólar.

Um dos determinantes deste valor é o preço do petróleo, isto é, o valor negociado para o brent (um tipo de petróleo que foi extraído por décadas no Mar do Norte e hoje é a principal referência de preço internacional para esta commodity). O brent, que chegou a ser comercializada por três meses abaixo dos 30 dólares entre meados de março e de maio de 2020 na esteira da crise do setor com o início da pandemia, hoje já ultrapassada os 63 dólares e tem uma tendência de alta – intensificada com o início da vacinação pelo mundo. Segundo estimativas do Goldman Sachs e do JPMorgan, podemos estar vivendo um novo super ciclo do preço do petróleo que fará o preço do petróleo chegar a valores entre 80 e 100 dólares[2] – o que jogará os preços dos combustíveis e do GLP ainda mais para cima.

Gráfico 1 – Preço médio diário do Brent em dólares (em valores correntes) – 04/01/2016 a 03/03/2021

aFonte: U.S. Energy Information Administration

A consequência desta política da Petrobrás é o grande aumento dos preços dos seus derivados em nosso país. Com o aumento do preço do barril e com a desvalorização do dólar, este sistema de precificação fez com que os valores saltassem, tal como podemos ver nos próximos dois gráficos. Verificamos em todos os gráficos o grande aumento real (considerando a inflação, para que tenhamos dados mais “comparáveis”) nestes últimos meses. O preço do diesel, da gasolina e do gás de cozinha chegaram aos seus recordes históricos. É importante pontuar que os preços anteriormente mais altos para os combustíveis ocorreram à época da greve dos caminhoneiros, em maio de 2018. Enquanto o diesel teve uma pequena diminuição do preço após políticas de desoneração da CIDE pelo então presidente Temer, a fim de dar fim à greve, a gasolina ainda continuou subindo até o mês de outubro daquele ano, quando se iniciou um período de grande queda no preço internacional do barril de petróleo.

Gráfico 2 – Preço médio mensal da Gasolina Comum e do Diesel- 10 nas revendedoras em valores reais de dezembro de 2020 (janeiro de 2013 a março de 2021)

Fonte: ANP; IBGE [Elaboração própria]

O mesmo ocorreu com o gás de cozinha, que já tem um preço real maior do que o seu recorde anterior, no início de 2018. Diferentemente da gasolina e do diesel, o GLP não teve uma diminuição do seu preço no início da pandemia, pois apesar do menor preço do petróleo em muitas décadas, a demanda de GLP aumentou devido às pessoas passarem a cozinhar muito mais em suas casas, como também foi o caso dos TAEs nas universidades do país. A desastrosa política de preços se expressa dramaticamente no gás de cozinha, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de Gás Liquefeito do Petróleo (Asmirg), o preço do botijão de 13kg pode chegar a R$ 150 ainda em 2021, o que seria uma verdadeira tragédia para as famílias brasileiras.

Gráfico 3 – Preço médio mensal do GLP nas revendedoras em valores reais de dezembro de 2020 (janeiro de 2013 a março de 2021)

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Como os dados mostram, os drásticos aumentos dos preços destes derivados têm um fator determinante, o preço internacional do petróleo, que contamina nosso país através do PPI.

Retirar impostos resolve o nosso problema?

Bolsonaro vem apostando na estratégia de sempre, jogar a culpa nos outros. Para isto aproveita-se do eterno senso comum em que culpa os impostos por qualquer problema econômico do país. Como podemos ver no Gráfico 4, os tributos são apenas uma parte do preço final destes itens. A Gasolina é o único destes derivados que têm uma parcela grande como tributo, 42% entre ICMS e tributos federais. O diesel tem um peso de 23% (e diminuirá com a nova política de desoneração da União) em tributos estaduais e federais. Por fim, o GLP tem uma carga tributária de 18% (idem).

Se compararmos a países europeus, temos tributações bem menores para os derivados de petróleo. Segundo a OPEC Annual Statistical Bulletin de 2020, as quatro principais economias do continente (França, Alemanha, Itália e Reino Unido) têm uma carga tributária de 58% no diesel, de 63% na gasolina e de 34% no GLP. Os EUA, um país com carga tributária menor no consumo (por concentrar mais sua tributação na renda e na riqueza), têm tributação de 21% tanto para o diesel quanto para a gasolina. A carga tributária é maior em países europeus por estes estabelecerem políticas ambientais e de desincentivo ao transporte individual.

Gráfico 4 – Formação de preços por derivado

Fonte: Petrobrás (Período da coleta de 21 de fev de 2021 a 27 de fev de 2021)

A política de zerar alíquotas federais destes produtos tem um efeito pequeno – basta lembrar que desde o início do ano o aumento acumulado do diesel é de 27%, nove vezes a sua carga tributária federal, por exemplo. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Entidades de Classe das Revendas de Gás Liquefeito de Petróleo (Abragás), zerar os tributos federais no GLP terá uma redução de apenas R$ 2,18 por botijão[3], e segundo a entidade sequer há a garantia de os 2 reais chegarem até o consumidor final. Já em relação ao seu custo, estimativa da XP Investimentos para as isenções no diesel dizem que esta política irá retirar R$3 bilhões dos cofres federais por bimestre – isto é, caso seja permanente poderá chegar a R$ 18 bilhões a menos no orçamento. O que será compensado onerando outros setores (já definidos nesta semana: automóveis para pessoas com deficiência, indústria química e bancos).

A ironia desta política sem nenhuma eficácia ficou a cargo de um evento específico nesta semana. Na segunda-feira a estatal divulgou novos aumentos no preço dos derivados, em torno de 5% para cada um dos itens – dois dias antes de entrar em vigor a isenção tributária do governo federal. Isto é, ao invés de pagarmos impostos encheremos o bolso de acionistas da empresa – tributos viraram dividendos. Não parece exatamente a coisa mais lógica a se fazer, principalmente em anos de crise fiscal, certo?

Privatizações pioram a situação

A política de privatizações já vem piorando a situação. A privatização da Liquigás – empresa até então estatal e que atua na revenda e distribuição de gás de cozinha –, por exemplo, e a consequente formação de um oligopólio privado naquele setor, diminui a força do governo para impedir os preços abusivos no gás de cozinha. Tal como podemos ver no Gráfico 4, essas empresas abocanham 33% do valor final pago pelo produto.

Já a venda das refinarias será o tiro de misericórdia contra os brasileiros. Se a direção da Petrobrás e o governo Bolsonaro conseguirem vender a metade do parque de refino do país – como planejam neste e no próximo ano – não teremos mais nenhuma opção senão aceitar preços abusivos, muito superiores aos custos reais dos produtos refinados. Entregando refinarias no Paraná, em Pernambuco, Minas Gerais e no restante do país, criaremos monopólios privados regionais – como estudo da PUC-Rio já demonstrou. Quem irá dizer quanto a gasolina custará na Bahia será um fundo de investimentos dos Emirados Árabes – o Fundo Mubadala. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, será a família Igel a partir do grupo Ultra, provável compradora da REFAP.

Além do mais, se entregarmos Petrobrás para empresários privados, eles adotarão justamente este preço de mercado, que agora nos sufoca. Sendo assim, a privatização total da nossa petrolífera só iria garantir que outras empresas adotariam estes mesmos preços de mercado internacional, e que não teríamos poder nenhum de intervir nisto.

Podemos pagar um preço justo pelos combustíveis e pelo gás de cozinha?

Se contrapondo à política de paridade de importação, sindicatos de petroleiros estão com uma campanha de “preço justo”. O Ibeps, a pedido do Sindipetro-SJC, calculou que o preço da gasolina poderia ser de R$ 3,60[4], garantindo ainda assim um lucro de 100% na produção de petróleo e no refino da Petrobrás, e a mesma margem para tributos e de distribuidores e revendedores.

Esta proposta se torna mais plausível se lembrarmos que a Petrobrás diminuiu seus custos tanto na extração de petróleo, graças ao pré-sal, quanto no custo do seu refino. O custo de extração do petróleo no país caiu 34,7% entre 2019 e 2020 e 11% no refino por barril, neste mesmo período. Ignorando isto, ao invés de diminuir o preço dos combustíveis e do gás de cozinha assistimos exatamente o oposto, uma explosão dos seus valores.

Acreditamos nesta proposta porque a Petrobrás é uma estatal, e tem que se equilibrar entre seu lucro e sua função social, que é abastecer a população brasileira com energia a preços condizentes com a nossa realidade. Não acreditamos que a empresa criada com nossos impostos na década de 1950 deva agora servir exclusivamente aos seus acionistas minoritários, que chegam no final do 2º tempo querendo abocanhar tudo às custas de toda a nossa economia. Só uma Petrobrás forte, estatal e com fortes investimentos em refino e exploração, poderá nos livrar na grande cilada que Bolsonaro, Paulo Guedes e Roberto Castello Branco nos enfiaram.

[1] https://Petrobrás.com.br/pt/nossas-atividades/precos-de-venda-as-distribuidoras/gasolina-e-diesel/

[2] https://www.ft.com/content/f87ce114-f437-4c3f-bb73-fa38ca78146b

[3] https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/02/19/governo-deve-zerar-imposto-sobre-gas-de-cozinha-mas-reducao-sera-de-apenas-r-2

[4] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/03/02/protesto-gasolina-a-preco-justo-sindipreto-sjc.amp.htm

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Autor

Assessoria de Comunicação do Sinditest-PR

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