Por dentro das transformações do serviço público: Entenda o que é o direito à desconexão

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Por Cacau Pereira

A legislação trabalhista brasileira prevê dois tipos de prestação de serviço em que o empregado pode ser chamado em algum momento, dentro ou fora do seu horário habitual, para atender a empresa.

Trata-se dos regimes de sobreaviso e prontidão. No sobreaviso, o empregado fica em casa aguardando ser chamado a qualquer momento. Já na prontidão, também chamado de reserva, o empregado fica aguardando o chamado, só que no interior da empresa.

Como temos discutido em nossa série de artigos, com a pandemia da Covid-19, houve uma expansão em larga escala do trabalho remoto, de distintas modalidades.

A adoção do trabalho não presencial levou a uma série de consequências para o trabalhador, dentre elas, a invasão da esfera da vida privada pela vida profissional e daí decorre o debate entre os sindicatos, o Poder Judiciário, advogados, Ministério Público e outros órgãos sobre o direito à desconexão.

Popularmente falando, trata-se do direito à folga do trabalho e, mais que isso, que nesse período o trabalhador não tenha invadida a esfera de sua vida pessoal e o seu direito ao descanso, ao lazer, ao estudo, ao convívio com a família etc.

O direito à desconexão não está ainda previsto na legislação trabalhista brasileira. Mas, em outros países, já faz parte do ordenamento jurídico. A França adotou uma lei sobre a desconexão em 2016, além de Portugal e Itália, que também tem leis sobre o tema.

Atualmente, está em tramitação no Senado  o Projeto de Lei 4.044/2020, do Senador Fabiano Contarato (PT/ES) que busca regulamentar a matéria.

O PL estabelece que o empregador não poderá solicitar normalmente a atenção de um empregado em regime de teletrabalho, por telefone ou por qualquer meio de comunicação eletrônica, como e-mail e whatsapp, fora do horário de trabalho. Acordos e convenções coletivas poderão regular o tema e, neste caso, o contato será tratado como hora extra, semelhante à legislação francesa.

Durante as férias o empregado deverá ser excluído de grupos de mensagens de trabalho e também deverão ser removidos os aplicativos que se destinem ao uso exclusivo no trabalho.

Justiça brasileira pode criar jurisprudência sobre o tema

Na ausência de regulamentação da matéria, o Poder Judiciário acaba sendo provocado a discutir o assunto e tomar decisões.

Segundo a página do Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), o número de processos sobre a desconexão é, ainda, relativamente pequeno e estaria longe de refletir o debate sobre o tema.

O articulista Rafa Santos informa que levantamento da Data Lawyer, feito a pedido da ConJur, aponta que o número de processos com a expressão “direito à desconexão” e afins tem caído desde 2018. Nos últimos seis anos, 2015 foi o que teve o maior número de processos em que a expressão aparece. Foram 10,5 mil demandas judiciais em que o direito à desconexão foi citado. Em 2018, porém, o número caiu para 3.435 processos. Em 2019, saltou para 4,3 mil e em 2020 foram 4.159.

O ano de 2021 teve 3.492 processos em que o termo foi citado. A cidade que concentrou o maior número de processos relacionados a direito à desconexão foi São Paulo (3.406), seguida de Rio de Janeiro (2.404) e Franca (2.209).

A matéria está disponível na página do Conjur sob o título ”JORNADA SEM FIM: Sem previsão legal, direito à desconexão foi pouco invocado na crise da Covid-19”.

Já há decisões que indenizam trabalhadores pelo desrespeito à desconexão. É o caso do processo trabalhista de número 0024431-46.2020.5.24.0021/MS, julgado pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS).

Esse é um dos temas que a “modernização” das relações de trabalho está a cobrar uma ação mais efetiva dos sindicatos. Estamos trabalhando mais, ligados quase que ininterruptamente ao ambiente da empresa ou da repartição, tendo a esfera da vida pessoal totalmente invadida. Isso é consequência da utilização em larga escala das tecnologias de Informação e comunicação (TICs)

Hoje, o meio ambiente de trabalho não está mais limitado ao espaço da empresa ou da repartição, sendo constituído por todos os elementos materiais e imateriais que envolvem o trabalho. Desta forma, o empregador – público ou privado – tem a obrigação de respeitar o intervalo entre as jornadas de trabalho, os períodos de férias e descanso do trabalhador.

Esse direito do trabalhador à privacidade já está expresso, por exemplo, na legislação portuguesa, no Código do Trabalho daquele país.

*Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e colabora com o Departamento de Formação do Sinditest PR

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Autor

Assessoria de Comunicação do Sinditest-PR

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