Ebserh é a ponta do iceberg de nova configuração do estado, alerta docente

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Professora Claudia March, do Instituto de Saúde Coletiva da UFF, disse no Conselho Deliberativo do Huap, no dia 12, que hospital universitário vai virar uma filial da Ebserh caso a adesão seja fechada. Nova reunião do Conselho será realizada na manhã desta quinta (21)

Para a docente da UFF e secretária-geral do Andes-SN, as consequências de entregar o Antonio Pedro à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) devem ser debatidas amplamente pela comunidade acadêmica da universidade e pelos usuários do Huap antes que as instâncias deliberativas da instituição e do hospital decidam sobre o assunto. March, que trata da Ebserh em sua tese de doutorado, ressaltou ainda que “a população aguarda não só um hospital que produza serviço de saúde, mas um hospital universitário que seja de fato universitário e que produza conhecimento e forme profissionais que atendam as necessidades reais da população. Nesse sentido, o debate sobre autonomia universitária é central”, disse.

A fala de Claudia March na reunião do Conselho Deliberativo do hospital universitário foi uma reivindicação da conselheira técnica-administrativa, Lígia Martins, para fazer um contraponto à palestra dada pelo presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, Newton Lima Neto, minutos antes, a convite da direção do Huap e da administração da UFF. Saiba mais em “Conselho do Huap se reúne sob pressão por debate real sobre Ebserh”.

Ebserh e a privatização não clássica

“Privatização não clássica” é como Claudia March explica o modelo da Ebserh.  “Não é uma privatização como foi vender a Vale, a gente não bate martelo na bolsa e vende, é uma coisa muito mais insidiosa e difícil de combater. A gente cria modelos jurídicos institucionais como são as fundações estatais de direitos privados, como são as organizações sociais (OS), tantas outras formas que fazem esse mix público-privado”, explica. De acordo com a professora, privatização também é construir espaços no setor público onde seja possível, a partir da lei aprovada, começar trabalhar processos de privatização internos. “Nós conhecemos muito bem como as fundações privadas ditas de apoio entraram na universidade num momento de dificuldade de captação de recursos e proliferaram a despeito da qualidade da universidade, com interesses privados de grupos de pesquisas, de grupo de pessoas que desenvolviam atividades e captavam dinheiro no mercado. Assim foi com as fundações estatais de direito privado, assim é com as organizações sociais, e assim será com a Ebserh se nós não resistirmos”, adiantou.

Claudia ressalta que todas essas relações público-privadas que vem se delineando desde o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso com o então ministro da Fazenda, Bresser Pereira, tem se aprimorado no sentido de ampliar a participação da lógica privada na vida pública, seja ela através da Ebserh ou do recém-aprovado Código Nacional de Ciência e Tecnologia, que autoriza os institutos de ciências e tecnologia públicos a estabelecer relação com o setor privado, cedendo espaços da universidade para laboratórios e empresas privadas.

“Nós que combatemos a Ebserh temos que saber que ela é uma pequena ponta do iceberg. O eixo desse debate é o que vem lá de trás. O eixo desse debate é a implementação de uma nova configuração de estado, onde nós não teremos serviços públicos estatais de direito público para todo o conjunto dos serviços sociais”, alerta.

A Ebserh é 100% SUS?

De acordo com a professora, a Ebserh, de fato, não pode cobrar diretamente dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) porque assim estabelece a Constituição Federal. Porém, Cláudia explica que não é verdade que os recursos da Ebserh são 100% público. “A Ebserh, por ser uma empresa e não uma fundação ou outro tipo de figura jurídica, tem a possiblidade de captar renda sobre qualquer serviço. E eu já vou dizer para vocês que lamentavelmente a primeira forma de captar renda tem sido a venda dos espaços físicos dos hospitais universitários para cursos privados, cobrando valores como em Santa Maria de 2 reais por cada aluno que entra no hospital”, diz.

Ou seja, a Ebserh pode vender serviço, não ao SUS, mas pode vender qualquer tipo de serviço. “E mais” continua a professora, “a Ebserh – como qualquer empresa e por isso que ela é inconstitucional, porque ela presta serviço público na área de direitos sociais – tem a possibilidade do lucro líquido. Li no panfleto distribuído pela administração da universidade e ouvi dizer várias vezes aqui que ela não tem fins lucrativos, mas está lá na lei, artigo 8: ‘o lucro líquido da Ebserh será reinvestido para atendimento do objeto social da empresa’. Lucro líquido só é possível vendendo serviço, que eu saiba. Quando se capta 100% de recurso público não há figura do lucro líquido”, explica.

O que muda caso o Huap assine com a Ebserh

De acordo com a docente, todos os 31 contratos já assinados entre Ebserh e hospitais universitários pelo país possuem um padrão, com quatro eixos fundamentais: cessão do patrimônio – “por isso que a gente diz que é um contrato de cessão e não um contrato de gestão” -; mudança do regime jurídico de contratação dos trabalhadores do hospital – do Regime Jurídico Único para CLT; como são definidos os cargos diretivos no hospital; financiamento do hospital e vigência do contrato. Para a docente, é uma inverdade dizer que existe como mudar substancialmente o contrato, já que todos assinados até agora possuem os quatro eixos principais.

Cessão do patrimônio

“Na contratualização entre Ebserh e hospital a cessão do patrimônio é elemento central. Todo o patrimônio hoje vinculado ao hospital universitário será imediatamente cedido para a empresa caso o contrato seja assinado. É um contrato de cessão do patrimônio e não um contrato de gestão”, problematiza a professora. Ela ressalta ainda que a relação entre contratada e contratante é regida pelo que diz o contrato, que menciona apenas ao que diz respeito à relação empresa e universidade. “O contrato pouco ou nada fala de como vai ser a gestão do hospital e qual é o projeto para o tripé ensino, pesquisa e extensão”.

Perda da autonomia universitária

A docente afirma que as atividades dentro do hospital universitário não serão mais objeto de deliberação do debate público e democrático nas instâncias da universidade. Passada a gestão para a Ebserh, as atividades de ensino pesquisa e extensão serão geridas pelo conselho gestor da empresa, na diretoria de ensino, pesquisa e extensão. “Diretoria essa que não precisa ser composta por professor, técnicos, pesquisadores da universidade. Quem vai definir as linhas e as diretrizes do tripé da universidade é a empresa. Alguém tem alguma dúvida que aqui há um grave ataque a autonomia universitária?”, questiona. Claudia também explica que no momento em que se concretiza o contrato definitivo com a Ebserh, cada hospital vira uma filial da Ebserh e deixa de ser um hospital universitário. “Hospital universitário” vira nome fantasia.

“O primeiro regimento falava em unidades hospitalares e foi aperfeiçoado. No último, o capítulo já trata como filiais Ebserh. A universidade cede o hospital e ele passa a ser gerido por uma equipe de gestão que é definida pela Ebserh. Como isso deu muito problema porque o diretor de cada Ebserh de cada filial poderia ser qualquer um, eles fizeram uma pequena mudança no regimento e colocaram o seguinte ‘o superintendente que é o diretor do hospital, no caso dos hospitais universitários será selecionado pelo reitor, preferencialmente no quadro permanente da universidade’. Ou seja, pode ser qualquer um. Pode ser qualquer gestor. A falta de vinculação com a universidade mostra que a autonomia universitária é incidiosamento destruída a cada artigo e a cada parágrafo”, critica Claudia.

Fim do Regime Jurídico Único (RJU)

Embora o nome que a Ebserh dê é concurso, os trabalhadores contratados pela empresa farão uma seleção pública. Cláudia explica. “Concurso público é para o Regime Jurídico Único, é para o regime estatutário, esses trabalhadores não terão estabilidade, serão geridos pela CLT. De fato, em relação à atual realidade muito precária dos contratos, essa é uma medida de desprecarização. Mas em relação ao que a gente aprovou na Constituição Federal sobre o regime dos servidores públicos, é precarização. Nós deixaremos de ter carreira única, nós deixaremos de ter o nosso trabalho regido pelo mesmo regime dos antigos trabalhadores do hospital. Será uma propriedade estatal, porém regida pelo direito privado, as formas de administração e as formas de controle do direito privado. O nome disso é flexibilização do direito dos trabalhadores. Deixaremos de contratar pelo RJU e passaremos a contratar por contrato CLT, o que em nossa avaliação é uma precarização do trabalho no serviço público”, reitera.

Claudia ainda questiona de onde vem o dinheiro para contratar pessoal pela CLT. “Não vem do fundo público para pagar um servidor que serve ao público? Obviamente é uma decisão política deste governo – quando no último dia do governo Lula, no dia 31 de dezembro de 2011 colocou a medida provisória da Ebserh no apagar das luzes – não contratar mais pelo RJU. Ou seja, o governo assume que vai botar dinheiro para pagar trabalhador da Ebserh, que não precisa usar dinheiro do SUS, mas ele não quer colocar trabalhador concursado nem na Ebserh, nem nos hospitais e nem na universidade. Por isso que ele criou a Ebserh. E se não resistirmos, sobretudo os docentes, em breve seremos nós sendo contratados via Organizações Sociais”, finaliza.

Foto: Luiz Fernando Nabuco/ Aduff-SSind
Por Lara Abib

Fonte: ADUFF

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